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Filhos de dois pais: as estatísticas da adoção por casais gays no Brasil e a evolução jurídica do tema

[Filhos de dois pais: as estatísticas da adoção por casais gays no Brasil e a evolução jurídica do tema]

Há apenas 14 anos acontecia a primeira adoção legal concedida a um casal homoafetivo formado por dois homens. A briga judicial neste caso durou oito anos, até que um casal de Catanduva, em São Paulo, conseguisse que no documento da filha, à época com 14 anos, constasse o nome dos dois pais.
Parece absurdo pensar que, ‘até ontem’, a legislação não permitia este tipo de adoção e que, mesmo nos dias atuais, o trâmite ainda seja mais perverso quando envolve casais gays, sejam formados por homens ou mulheres.
Talvez a dificuldade em adotar seja um dos fatores principais que levam os casais LGBTQI+ a optarem por filhos biológicos, mesmo com material genético de apenas um dos parceiros. De acordo com pesquisa do Williams Institute, dos Estados Unidos, 68% dos casais homoafetivos têm herdeiros biológicos, enquanto 32% optam pela adoção.
‘Essa casa tem dois pais’
Foi o caso do paranaense Toni Reis, e do marido dele, o inglês David Harrad, pioneiros em diversas questões legais envolvendo a temática LGBTQI+. Graças a eles, pela primeira vez, em 2015, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) concedeu a um estrangeiro o direito de permanecer no país em razão de existir união estável com pessoa do mesmo sexo.
No mesmo ano, os dois conseguiram no Supremo Tribunal Federal (STF) o direito de casais homossexuais adotarem crianças e adolescentes no país. Para Toni Reis, que é ex-presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais e fundador da ONG Dignidade, a decisão, em um processo que teve dez anos de tramitação, foi o primeiro passo para a normatização do tema.
Após longas históricas de preconceitos, inclusive por juízes, ele e o marido são pais de três filhos, Jéssica, Felipe e Alysson. Toni usa as redes sociais como uma das vertentes na luta pela causa LGBTQI+ e pelo reconhecimento cada vez maior de adoções feitas por casais homoafetivos.
Já o ator Leonardo de Castro e o diretor de arte Carles Arqué são pais de Cláudia, que se juntou à família ainda com poucos meses de vida. Quando fez o chá de fralda, Leonardo, que tem um canal no Youtube sobre a temática, contou que ouviu de um tio o questionamento sobre quem vai fazer o papel de mãe. Prontamente, ele respondeu: “A nossa casa tem dois pais, não tem mãe”.
“Eu sou pai. Eu faço papel de pai. Todo mundo tem curiosidade sobre a família com dois pais e ainda é difícil conceber que uma família não tenha a figura da mulher. Isso faz parte de uma herança histórica de o homem ser provedor, enquanto a mulher é quem cuida da casa e dos filhos. Esse papel da masculinidade tem mudado”, disse ele em um dos vídeos do canal.
Ainda segundo Leonardo, a filha do casal tem inúmeras figuras femininas, como as avós, tias, dindas, amigas da família, mas dentro de casa ela tem dois pais e isso tem de ser normalizado cada vez mais. “A sociedade precisa saber que o conceito de família mudou e pode ser infinito agora, com duas mães, dois pais, etc”, reforçou.
Este dia dos pais vai ser o primeiro de Luciano e Tales, pais da pequena Lúcia. Após um processo de adoção de mais de dois anos, eles contaram que ainda percebem que as pessoas estranham a ausência de uma mulher na família. “Eu sei que as pessoas se esforçam e até tentam ajudar, mas precisam perceber que não precisamos de ajuda para sermos pais”, disse.
Ele ainda afirmou que algumas amigas e até tias, quando convivem com o casal e a criança acabam tendo uma postura de cuidado com Lúcia. “É involuntário, mas é o reflexo da mentalidade de que dois homens não podem e não conseguem cuidar e educar uma criança”.
Comportamento
Um estudo publicado pelo Developmental & Behavioral Pediatrics constatou que crianças criadas com pais do mesmo sexo não apresentam alteração no desenvolvimento psicológico e social. A pesquisa foi realizada com casais gays, lésbicas e heterossexuais e ficou comprovado que as crianças com pais do mesmo sexo ainda apresentam menos dificuldades nas questões cotidianas do que as demais.
“A estrutura da família não define o destino físico e psicológico da criança. O que define são os processos familiares e o relacionamento entre todos”, explicou Roberto Baiocco, autor do estudo.
Ainda segundo ele, outro resultado da pesquisa foi o fato de os pais gays, tenham ou não gerado os filhos, serem na maioria mais velhos e terem uma estabilidade financeira maior, além de apresentarem maior nível educacional e uma relação mais estável do que a de mães lésbicas ou pais héteros.
Legislação
No Brasil, de acordo com os registros mais recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de interessados em adoção é cinco vezes maior do que o de crianças e adolescentes à espera de uma família. A questão é: o que faz com que não exista uma casa para cada jovem que mora em abrigos? As exigências, tanto dos pais, mas principalmente as burocracias normativas.
A Declaração Universal dos Direitos se refere à família como um núcleo natural e fundamental da sociedade, a qual tem direito à proteção da sociedade e do Estado. Por causa do crescimentos cada vez mais rápido do número de crianças e adolescentes à espera de um lar, a prática da adoção deveria ser cada vez mais incentivada, seja nas famílias heteronormativas ou homoafetivas. 
Mas, as coisas não são bem assim. Se o projeto de lei nº 134/2018 já valesse como norma, os casais LGBTQI+ não teriam tanta dificuldade em conseguir adotar uma criança ou adolescente no Brasil. Mas, ao contrário disso, no site do Senado Federal, na parte de opinião da sociedade sobre o PL, que institui o Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero, 47 mil pessoas se mostraram contrárias à temática, enquanto 32% votaram a favor.
A jurista Raiane Celcina Pinho Ribeiro explicou, em um artigo, sobre as lacunas legais da adoção LGBTQI+. “No Brasil, a adoção é regida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual foi alterado recentemente pela Nova Lei da Adoção, a Lei nº. 12.010/09, em que está disposto no artigo 42 sobre os requisitos para o deferimento da adoção e, por sua vez, não faz ressalva sobre a orientação sexual dos adotantes”.
Ainda segundo ela, em razão de a sociedade ainda ser hegemonicamente heterossexual, “há certa resistência em se aceitar que casais homoafetivos ou parceiros do mesmo sexo se habilitem para adoção”. O que garante que esse direito possa ser assegurado hoje são as jurisprudências, as “diversas decisões reconhecendo a união estável de casais homossexuais e deferindo pedidos de adoção por eles”.

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