Bandas de brega e forró moderno sempre fizeram sucesso com versões brasileiras de hits internacionais. Na mão do Calcinha Preta, "Can't Live", do cantor Harry Nilsson, se transformou em "Paulinha", e Aviões do Forró revisitaram "Umbrella", da Rihanna, em "Se Não Valorizar". E o contrário? Tem também.
A canadense Kimberly Solomon estourou na internet nos últimos meses invertendo a fórmula. É dela a versão em inglês de "Basta você me ligar", do Barões da Pisadinha. "All you Gotta do is Call Me" tem mais de 5 milhões de visualizações no YouTube e lançou a agora cantora a um improvável estrelato no Brasil.
"Eu não estava acostumada com isso", diz Kim Sola, em um português quase castiço durante uma manhã no seu quarto de hotel em Belém, no Pará. "No Canadá não tem muito isso de influencer, redes sociais, mas aqui é algo muito forte."
Kim tem hoje quase meio milhão de inscritos em seu canal do YouTube e cerca de 250 mil seguidores, somando Instagram e TikTok. A maioria é formada por brasileiros que se rasgam em elogios ou comentários de surpresa. "Agora vamos sofrer em inglês", escreveu alguém a respeito da versão em inglês de "Letícia", do cantor Zé Vaqueiro — o preferido de Kim no momento.
Nova de um mundo onde telas são interfaces para tudo, a jovem de 24 anos tem plataformas e aplicativos como marcos dessa conexão Brasil-Canadá. Quando decidiu aprender português, em 2017, Kim buscou conteúdo na Netflix e encontrou muitas produções e dublagens em português brasileiro. Em vez de aulas comuns, decidiu se dedicar por conta própria. Ela também passou a fazer livestreams no Twitch em que comentava clipes de músicas brasileiras e interagia com gente de diversos estados do país.
"Gringos reagem"
"Nas lives do Twitch me pediram pra fazer react de 'Já que me ensinou a beber', depois 'Tá rocheda' e 'Recairei'", lembra, enumerando alguns sucessos d'Os Barões da Pisadinha. Os reacts são um filão muito explorado por YouTubers estrangeiros: brasileiros ávidos por saber o que gringos pensam da nossa produção local garantem bons números de visualização nos vídeos. Ainda assim, Kim decidiu mudar o conteúdo do seu canal. "Era só react, mas eu gosto de fazer coisas novas, e já tinha visto versão de funk, sertanejo", diz. "Mas nunca tinha visto versão em inglês de pisadinha".
Kim decidiu ser a pioneira do gênero com um hit: "Basta você me ligar", dos tais barões que tinha conhecido anos antes no Twitch. O irmão lhe deu dicas sobre como usar programas de produção musical. O conhecimento que tinha de teclado, da infância, deu algum conforto na empreitada.
Cantar também foi simples: embora nunca tenha tido aulas de canto, a jovem sempre gostou de ir ao karaokê. As questões idiomáticas é que foram difíceis. "Eu traduzi rápido e ficou estranho, e aí vi que era mais complicado do que parece", lembra ela. "Hoje, primeiramente eu faço uma tradução sem rimar e depois, com a batida, eu tento trocar palavras, encontrar expressões que façam mais sentido em inglês.
O sucesso só veio mesmo quando o vídeo ganhou o TikTok e o Instagram como trilha de micro-esquetes cômicas, caso da humorista Pequena Lô. "Eu gravei o vídeo com aquele chapéu, no meu quarto, mas depois fiquei desanimada", diz Kim, olhando para cima, como em busca de uma expressão para a incerteza daquele momento. "Mas um tempo depois me marcaram num vídeo do Isaías no Instagram, com a minha música. E aí no TikTok viralizou muito mais rápido, depois aumentou muito o número de visualizações no YouTube."
Brasil, brasileira
À medida que seu canal cresce, movido a likes e comentários elogiosos, Kim também tem visto acusações comuns a sua categoria de YouTuber: estar bancando a falsa gringa. "Tinha alguns comentários nos vídeos que eram 'Como assim? Gringa onde? Tem um estado Canadá no Brasil?'", diz ela. "Entendo porque não vejo outras gringas, no YouTube, com a mesma aparência que eu, e tem pessoas que acham que não tem diversidade no Canadá".
Filha de caribenhos (o pai é de Dominica e a mãe, da Jamaica), Kim nasceu na fria Montreal, no estado canadense do Quebec, e tem nove irmãos. A paixão pelo Brasil é coisa só dela. Nem pais nem irmãos entendem muito bem de onde vem essa história, ela conta ao TAB. Sua primeira vez no Brasil foi em março, no Rio de Janeiro. A pandemia encurtou a visita para uma semana e, de volta à sua cidade de origem em pleno confinamento, Kim se meteu a consumir mais ainda a cultura brasileira — especialmente fora do eixo Rio-SP.
"No começo eu pesquisava música brasileira na internet, mas só apareciam coisas do Rio de Janeiro, de São Paulo", diz ela. "E as pessoas comentavam que eu tinha de fazer vídeos com músicas da região nordeste, da Bahia. Vi que o Brasil tem muitas regiões diferentes, e que também tem gente que faz comentários negativos para alguns vídeos, como vídeos de funk."
Na atual viagem, que já dura dois meses, ela resolveu conhecer o Nordeste de que tanto falavam no seu canal. Ficou algumas semanas em Natal, no Rio Grande do Norte — "eu gosto muito dos espetinhos que vendem na praia", conta — e depois partiu para Belém, no Pará. Se na primeira vez no país ela teve de bancar a aventura, agora, já é requisitada por outras personas das redes sociais em busca de parcerias. De hospedagem a tatuagens, passando, é claro, por gravações de novas músicas, muitos querem um tempinho da canadense em seus vídeos ou uma marcação da @.
Até as gravadoras querem um pouco de Kim. "Eu recebi uma proposta da Sony Music e vou gravar com eles um álbum de música brasileira em inglês", conta ela. A gravadora confirma a parceria vindoura. Deve ser o passo fundamental para que Kim se consolide como a primeira cantora de pisadinha gringa, mas é capaz que outro momento marque pra valer sua trajetória.
No fim de dezembro, ela conheceu Os Barões da Pisadinha no palco do Domingo Legal, o longevo dominical do SBT. "Eles são muito simpáticos, parecia até que eu já conhecia eles!", lembra a canadense, misturando sotaques, línguas e países.