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“O mundo pós-pandemia vai exigir calma”, diz psicóloga clinica

 

Uma em cada cinco crianças e adolescentes apresenta sinais de ansiedade, indica uma pesquisa com crianças do planeta todo, liderada por cientistas do Canadá e publicada na revista Jama Pediatrics, da Associação Médica Americana. O estudo diz ainda que as questões com saúde mental dobraram nesse grupo de jovens durante a pandemia da Covid-19. Pesquisadores afirmam que pais, universitários, crianças e adolescentes são os que mais sentiram os impactos da pandemia. 

O Brasil lidera o ranking de países ansiosos. Todos esses dados apontam para uma crise na saúde mental, potencializada pelas incertezas da pandemia que vivemos. E da ansiedade, o principal transtorno que acomete o país, muitas outras questões vêm à tona, como a compulsão alimentar, que também apresenta números de casos significativos nos últimos meses. Nesta entrevista, a psicóloga clínica Jéssica Castelo Branco trata do crescimento de demandas no consultório e fala sobre as causas, efeitos e caminhos a seguir no pós-pandemia.

Mães/pais, estudantes universitários e crianças/adolescentes são grupos mais afetados na pandemia. Por que pessoas tão jovens, que a princípio não têm tantos problemas como os adultos, estão desenvolvendo esses sintomas?

Eu relaciono a esse novo modelo que a gente teve que adotar na pandemia. As rotinas sofreram fortes alterações, porque antes não se tinha o costume de conviver em tempo integral com as pessoas da casa, e isso acabou influenciando na questão da privacidade, no trabalho, nos estudos, até mesmo nos relacionamentos interpessoais. A casa passou a ser um ambiente para tudo, então, a conexão com o externo foi quebrada completamente. Os jovens tinham uma rotina de interação diária nas escolas, na faculdade e depois disso tudo se viram obrigados a se isolar, convivendo só com as pessoas da própria casa. Mais gente circulando no mesmo ambiente onde você está afeta a sua privacidade, e sair de casa pode significar uma exposição muito grande de ser contaminado com o vírus.

Essas pessoas são mais frágeis por causa do período de formação?

Com certeza, sim. Os jovens interagem muito com o meio, e, além disso, existe toda uma questão de propósito, de perspectiva do futuro. São pessoas que têm planos, que querem estudar, fazer vestibular, cursos, se formar, e se viram em um contexto em que o futuro era algo inacessível, representava insegurança e incerteza. Para uma pessoa que está vivendo esse período de ascensão é assustador não saber o que está por vir, como e até se vai ser possível realizar os seus planos é algo que pode gerar essa inquietude.

Segundo uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, a ansiedade é o transtorno mais presente durante a pandemia. Por que vemos dados tão alarmantes?

O Brasil é o país mais ansioso do mundo e o quinto em depressão. Esse é um dado extremamente preocupante. E o período que vivemos por si só já é ansiogênico. Quem sofre de ansiedade se vê em um contexto de insegurança e medo muito recorrente, além de o momento só potencializar o que já era uma questão para esse grupo de pessoas. Na pandemia, vários fatores apareceram, como o aumento do consumo de álcool e drogas. Para quem já tem predisposição à compulsão, isso vem se intensificando justamente numa tentativa de lidar com a ansiedade. Inclusive a compulsão relacionada a transtornos alimentares. É assustador pensar no aumento que essa taxa possa vir a ter no pós-pandemia. Três causas aumentaram muito a ansiedade: o trauma, porque muita gente adoeceu, conhecemos pessoas que passaram dias na UTI ou que morreram. Isso pode deixar o circuito de alerta do cérebro ativado por muito tempo depois do trauma. A segunda razão está ligada à indefinição. O nosso cérebro não gosta de sentir que não tem controle do que vai acontecer. E o desequilíbrio entre os fatores que acalmam e os que estressam. Uma das coisas que acalmam é a alimentação saudável, e muitas pessoas preferiam não ir para mercado por medo da exposição e recorreram a comida pronta. Então, a alimentação teve bastante impacto na saúde mental neste período.

E, curiosamente, em uma crise de saúde, a alimentação é um dos pontos de cuidado que precisamos ter, porque está diretamente ligado à imunidade.

Isso mesmo. Acaba sendo contraditório.

Existe uma falta de conhecimento sobre essa importância?

Como o período por si só já é ansiogênico, as pessoas acabaram buscando nos alimentos uma forma de compensação de estresse e buscam nos alimentos com alto índice de sódio, de açúcar, uma forma de sentir prazer. Como foram restritas de sentir prazer de outras formas, como ir para academia liberar endorfina, até as relações sexuais também foram mais restritas, encontrar pessoas, ter momentos de lazer que nos promovem essa sensação de bem-estar, isso fez com que a falta fosse compensada no alimento. Creio que é de ordem inconsciente.

E acontece de a pessoa que já teve algum tipo de transtorno alimentar voltar a ter e com a possibilidade de piora do quadro?

Sim, piorar e potencializar, porque normalmente essas pessoas tinham recursos para lidar com essa compulsão. Como tudo isso foi restrito, elas se viram em uma condição de precisar fazer algo prazeroso e acabaram compensando ainda mais na comida. Além dessas pessoas que sofrem de compulsão alimentar, neste período de pandemia ficou bem evidente os casos de TOC (transtorno obsessivo compulsivo). Pessoas que já tinham um ritual muito forte, com a pandemia, todos os rituais acabaram sendo justificados, e quem já sofria com isso acabou amplificando aquilo que já era uma questão.

É como se tudo aquilo que elas costumavam fazer e achavam necessário fosse validado agora, não é?

Isso. Existem pessoas que estão com medo de voltar à vida normal, de sair, de encontrar amigos e familiares. Normalmente, são pessoas que têm menos recursos emocionais para lidar com a situação, são grupos mais frágeis.

Em relação à compulsão alimentar, a pessoa consegue identificar sozinha os sintomas?

Existe todo um critério diagnóstico de acordo com o DSM-5 (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) que sugere realmente a compulsão alimentar. Normalmente, a pessoa reconhece que há algo errado, que o processo do comer excessivo está descompensado, são pessoas que comem escondido, que sentem vergonha ao comer, então, ela sabe que a situação está promovendo um sofrimento psíquico muito forte, mas depende do nível de informação que ela tem sobre o transtorno. Então, tem que atender a alguns critérios, como apresentar os sintomas mais ou menos no período de três a seis meses, ter um episódio de duas ou três vezes na semana, comer até passar mal, são pessoas que comem uma grande quantidade de alimentos em um curto período. São fatores a serem analisados que acredito que a maioria das pessoas não conhecem.

Só psicólogo vai ajudar seu tratamento ou outros profissionais também?

O psicólogo ajuda neste processo de identificação do transtorno junto com o psiquiatra, mas depende muito do nível de sofrimento que aquela pessoa está vivendo, o quanto que a rotina dela está sofrendo alterações. Por exemplo, se ela não tem mais relacionamentos, não consegue interagir, se essa pessoa estiver em um quadro muito preocupante, afetando a socialização, é indicado que o tratamento seja feito com uma equipe multidisciplinar, com psiquiatra, psicólogo e nutricionista

Acredita que a sociedade irá cada vez mais sofrer com ansiedade e depressão no futuro ou vamos conseguir frear esses números?

Como a sociedade tem mudado a forma de interagir sobre esse assunto e tem procurado ressignificar a percepção sobre a saúde mental, acredito que continuarmos falando sobre isso, identificando quando algo não está legal, buscando ajuda, é o caminho. Porque o psicólogo é o principal profissional para entender as questões mais profundas da pessoa. Fazer terapia não é só para quando você tiver um transtorno mental, é para lidar com desequilíbrios emocionais que você não quer e nem precisa lidar sozinho, porque tem um profissional capacitado para o ouvir e buscar caminhos para que você lide de uma maneira mais saudável. Eu acho que as pessoas têm naturalizado mais a ideia da psicoterapia enquanto processo saudável e não como algo discriminado como era anteriormente.

Os efeitos de tudo isso deve permanecer por muito tempo mesmo com o fim da pandemia da Covid-19?

Penso que vai ser possível a gente observar o momento da ansiedade no período de pós-pandemia principalmente por causa da instabilidade econômica e profissional. A ansiedade tem relação com o nosso senso de responsabilidade, com a necessidade de sucesso, então, com a instabilidade muitas pessoas vão sentir medo de perder seus empregos e não se manter financeiramente. O mundo pós-pandemia vai exigir calma, precisamos entender que as coisas não vão mudar de uma hora para outra, que o retorno será gradual e o mundo não será exatamente como a gente conhecia. Sequelas vão ficar, mas é importante entender como cada um está se sentindo e buscar suporte.

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