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Após passar fome e frio, ex-sem-teto conclui graduação em direito e obtém carteira da OAB



Ele recebeu documento das mãos do presidente da OAB no Ceará. Em dezembro de 2022, Sérgio Chaves já havia sido nomeado membro da Comissão do Direito do Trabalho.

O advogado Sérgio Chaves Pereira, de 36 anos, recebeu nesta terça-feira (28) a carteira da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Ceará (OAB-CE). Sérgio Chaves já passou fome e frio nas ruas e mesmo com as dificuldades conseguiu conciliar os estudos de direito com o trabalho de motoboy além do estágio em um escritório de advocacia. O resultado foi a aprovação no exame da OAB ano passado.

Em dezembro de 2022, Sérgio Chaves já havia sido nomeado membro da Comissão do Direito do Trabalho.

O documento foi entregue pelas mãos do presidente da OAB-CE, Erinaldo Dantas, na sede da OAB-CE. Durante a entrega, Sérgio Chaves reforçou que "nada teria acontecido" se ele não tivesse sido determinado.

"Quero agradecer primeiramente a Deus, pois sem ele não teria chegado até aqui. Com muito esforço e dedicação hoje estou recebendo a minha tão sonhada inscrição na Ordem, me sinto feliz e realizado por essa grandiosa conquista pessoal e sobre a minha atual posição na advocacia", celebrou.

O presidente da OAB-CE, Erinaldo Dantas, destacou a importância da educação como elemento de mudança da sociedade. "Serginho, como o chamo carinhosamente, trouxe uma lição de vida para todos nós. Veio de origem simples e conseguiu superar os inúmeros obstáculos através dos estudos e, antes mesmo de se formar em Direito, conseguiu ser aprovado no Exame da Ordem. Que o seu exemplo de esforço e dedicação possa servir de inspiração a todos nós", elogiou.

Também estiveram presentes na cerimônia e receberam suas carteiras, 56 novos advogados e advogadas.


Sérgio Chaves com Djacir Ribeiro Parahyba Neto e o filho Nycolas Ferreira. — Foto: Natália Rocha OAB/CE


Vida difícil e superação

A vida de Sérgio Chaves sempre foi difícil. Aos 12 anos, viajou por conta própria para Teresina, no Piauí, sem chance de estudar ou trabalhar. "Quando eu tinha de 11 para 12 anos, fui parar em Teresina. Por ainda ser uma criança e sem oportunidades, acabei tendo que morar nas ruas daquela capital", lembra.

Por meses, ele dormiu nas calçadas e comia frutas estragadas da Ceasa de Teresina. Nessa época, passou frio e ganhava algumas moedas de donos de carros que vigiava.

"Para sobreviver, eu comia frutas estragadas no Ceasa. Pastorava carros em troca de algumas moedas, lavava louças de um pequeno box na rodoviária. Às vezes, por sorte, comia sopa em um local que fornecia esse alimento gratuito para pessoas que estavam na mesma situação que eu e, às vezes, comia resto de comida do lixo."

"Dormia nas calçadas, meu lençol eram caixas de papelão e meu travesseiro era minhas sandálias. Às vezes, quando os seguranças da rodoviária não me viam, conseguia dormir ali dentro. Passei frio, passei fome e fiquei nessa situação, por aproximadamente um ano", acrescenta.


Primeiro emprego e volta aos estudos

Em 2002, Sérgio Chaves viajou para Fortaleza. Na capital cearense, foi acolhido por Raimundo Nascimento, proprietário de um lava a jato no Bairro de Fátima. "Nonato me tirou das ruas e me deu um trabalho, um teto, comida, uma renda fixa por semana", relata.

Alguns meses depois, Nonato e a família viajaram para Juazeiro do Norte, no interior do Ceará. Sérgio Chaves ficou responsável pelo lava a jato. Além de trabalhar no local, ele conseguiu uma bicicleta e passou a entregar lanches pela noite.

"Tempos depois, à noite, comecei a fazer entregas de lanches usando como transporte uma bicicleta e durante o dia lavava carros. Os novos donos do lava a jato resolveram trocar os antigos funcionários e foi então que aluguei um pequeno quarto e passei a fazer entregas também durante o dia. Com a ajuda de um amigo, comprei uma moto e passei a fazer entregas usando esse veículo."

Depois de 20 anos, Sérgio Chaves decidiu voltar a estudar. Ele tinha o sonho de cursar direito. Em 2017, o motoboy trabalhava em dois lugares, em dois turnos. Ele fez o Exame Nacional para Certificação de Competência para Jovens e Adultos e conseguiu o certificado de conclusão do ensino médio para poder prestar vestibular.

"Voltei aos estudos em 2017, depois de 20 anos que havia parado na 3ª série do ensino fundamental. Voltei na 4ª e 5ª, na época. Eu trabalhava em dois lugares, dia e noite. Então deixei o emprego da noite para estudar. No decorrer daquele ano, também fiz o Encceja. O resultado saiu em fevereiro de 2018 e fui aprovado. Então corri para pegar o certificado de conclusão do ensino médio. Fiz o vestibular em uma instituição particular e comecei o curso de direito", afirma, entusiasmado.


Preconceito e dificuldade nos estudos

Os primeiros semestres no curso de direito foram difíceis para Sérgio Chaves. A falta de base do ensino regular o prejudicou muito. "Tive bastante dificuldades. Certa vez fui corrigido por um colega de sala, em um grupo de aplicativo da turma: 'essa palavra não se escreve assim'. E por várias vezes isso se repetiu, foi então que percebi que além de estudar as disciplinas regulares do curso, que eram oito ou nove por semestre, também tive que estudar português."

Durante o curso, Sérgio Chaves teve que enfrentar preconceitos dos colegas de turma. Pelo fato de cometer alguns erros de português, alguns alunos investigaram se ele tinha passagens pela polícia.

"Também me recordo que uma das primeiras coisas que alguns dos colegas de sala fizeram foi puxar minha ficha criminal, tomei conhecimento disso muito tempo depois, ocasião em que um desses colegas militares me falou: 'Cara, você provou para todos nós que estávamos errados ao seu respeito, uma vez puxamos sua folha corrida'. Hoje, todos são meus amigos. A prova disso é que fui escolhido como paraninfo da turma", recorda.


Estudo em moto e no banheiro

Para ter sucesso nos estudos, o motoboy fez um plano didático. Se afastou das redes sociais, chegava mais cedo no trabalho para estudar e ouvia aulas gratuitas no YouTube. Até colocar adesivos com anotações no guidom da moto e conteúdo acadêmico na parede do banheiro foi arquitetado por Sérgio Chaves. Tudo isso para fixar o aprendizado.

"Com isso, quando eu parava em um semáforo, dava uma revisada. Quando eu aprendia aquele assunto, trocava os post it. Também tinha coisas escritas em locais estratégicos de casa, como na parede da pia do banheiro. Todos os dias eu tinha que olhar para aquela parede e lia o que estava escrito."

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