Uma discussão, no fim do mês passado, agitou opiniões dentro e fora da sede do Supremo Tribunal Federal (STF). Para um caso específico, o órgão decidiu que aborto nos três primeiros meses de gestação não é crime. Até a surpreendente abertura de precedente do STF, a discussão sobre o aborto estava encerrada: o impedimento da gestação é considerado crime previsto nos artigos 124 a 128 do Código Penal Brasileiro. Pune tanto quem pratica — com ou sem consentimento da gestante — como quem consente.
Antes mesmo da possibilidade aberta pela suprema corte, Bárbara*, teve que fazer uma das escolhas mais difíceis de sua vida. Há cerca de cinco anos, teve uma relação desprotegida com um homem que não era seu namorado e engravidou com apenas 17 anos.
Ela conta que na época não tinha qualquer estrutura para receber uma criança em sua casa, já que estava no ensino médio e sem qualquer perspectiva de trabalho. “Eu surtei, só conseguia chorar e me perguntar o que eu fiz com meu futuro. Estava estudando em uma escola boa. A primeira pessoa entre minha família a estar próxima de cursar a faculdade. Só conseguia pensar que joguei todas as oportunidades fora”, lembra.
Bárbara conta que a sugestão de fazer o procedimento abortivo veio de quem seria o pai de seu filho. “Ele disse para mim que tinha uma amiga enfermeira e que havia conversado com ela sobre a possibilidade de abortar, foi quando ela indicou essa clínica para a gente. Eu aceitei na hora, queria fazer o mais rápido possível”. Hoje com 22 anos, a jovem analisa sua atitude com outra visão. “Eu agi completamente por impulso, em nenhum momento pensei no que estava fazendo ou no crime que estava cometendo”, completa. AoBlogger a jovem contou sua história na íntegra. Ouça:
Sem ponto final
Posições contra e a favor da interrupção voluntária da gravidez provoca debates acalorados e muitas perguntas. A melhor solução é manter o aborto como um crime ou, ao permitir a legalização, impede que mulheres não se submetam a procedimentos caseiros e clínicas ilegais? Quando, de fato, começa a vida?
O monge Luiz Antônio, do mosteiro de São Bento, localizado na Avenida Sete de Setembro, em Salvador, acredita que o tema deve manter um “diálogo saudável” para que metade dessas perguntas sejam respondidas, e que “ninguém precisa ser a favor do aborto para entender toda a problemática que ele está inserido”. “Sua criminalização só faz aumentar o lucro dos carniceiros que são beneficiados a partir do desespero de muitas meninas. Se uma delas me procura em busca de ajuda, meu conselho é que não aborte. Mas caso o faça, não serei eu a condená-la”, completa.
Sobre o principal motivo da aversão civil ao aborto, a professora de Direito e Bioética da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Monalisa Ávila, acredita que o lado religioso da população ainda é o principal fator. “Existe ainda um modelo de sacralidade da vida que nos sustenta e é difícil de desconstruir, já que as religiões se unem contra o aborto”. E conclui: “Sou a favor da descriminalização do aborto com certeza. Costumo dizer que, se os homens pudessem conceber, a interrupção já seria legalizada”.
O debate ainda é muito dividido entre os grupos sociais, alguns acreditam que o início da vida é a concepção e outros acreditam que só é considerado vida quando há o desenvolvimento de atividades cerebrais complexas, já quase na metade da gestação. Segundo a Secretaria Estadual da Saúde (Sesab), mais de 25 mil baianas se submeteram ao aborto clandestino e tiveram complicações de saúde em 2016.
*Nome fictício para proteger a fonte ouvida nesta reportagem