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Isolamento emocional: entenda como a quarentena pode funcionar como gatilho para quadros de depressão

Isolamento emocional: entenda como a quarentena pode funcionar como gatilho para quadros de depressão

A quarentena mudou o cotidiano das pessoas ao redor do mundo. Boa parte delas, isoladas em casa, teve que encarar uma nova realidade dentro de suas próprias vidas. Sem direito a aviso prévio, sem saber como administrar o inesperado, nos vimos obrigados a questionar: quem eu sou? O que estou fazendo? Qual o meu papel agora? Dentro desse novo contexto, quadros de tristeza, ansiedade e depressão, “o mal do século”, têm se tornado cada vez mais frequentes.
“As pessoas têm uma inabilidade para lidar com a incerteza. Querem, de uma forma angustiada, respostas. No momento em que estamos, é normal elas não estarem bem. Um certo estado ‘deprê’ é legítimo. Eu estou tendo que me recolher ao meu mundo e lidar comigo mesmo. Questionar o que eu quero comigo. Aí, os fantasmas aparecem”, explica a psicóloga e coordenadora do Núcleo de Depressão da Holiste, Ethel Poll.
É curioso notar que um dos principais fatores de desequilíbrio para o ser humano em momentos como este é justamente algo do que costumávamos reclamar em tempos sem pandemia: a rotina. Ou melhor, a falta dela, como explica Péricles Palmeira, terapeuta transpessoal: “Todos nós temos um ritmo social de vida, múltiplas atividades. Isso preenche o dia a dia e faz com que a gente esqueça as demandas emocionais. A gente tem uma rotina que é organizadora”. 
Ponto de vista semelhante é defendido pela psiquiatra Lívia Castelo Branco. Ela ressalta que o fato de não sabermos o que fazer e a sensação de estarmos perdidos têm relação direta com atitudes e comportamentos que passamos a adotar, quase que como uma válvula de escape, uma fuga.
“Te dá tempo para pensar em coisas que você, antes, poderia esconder embaixo do tapete. Isso traz efeitos emocionais, como o choro fácil, crises de ansiedade, depressão, que as pessoas canalizam para a perda de apetite, ou consumo excessivo de comida, sobretudo doces. Tem a questão do aumento no consumo de álcool também, que tem crescido muito”. 
Sem norte e sem saber como agir para sair desse labirinto emocional, é que surgem os receios, inseguranças e traumas, que podem ter diferentes motivações e mudam de pessoa para pessoa, como explica Poll. “Os medos são os mais variados: de a família adoecer, da questão financeira, porque as pessoas estão ficando desempregadas. A gente entra no campo da perda. Perdas que interferem no nosso bem-estar. Algumas são recuperáveis, mas a morte de um parente não tem volta. Isso assusta! Alguns entram num estado de negação e começam a repetir que não é tudo isso, a se expor. Não é uma negação política, mas uma negação como mecanismo de autodefesa”. 
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O QUE FAZER PARA SUPERAR?
É importante esclarecer que este não é um problema exclusivo do tempo presente. Dados da Organização Mundial de Saúde, antes da pandemia do coronavírus, já sinalizavam que 322 milhões de pessoas em todo mundo sofriam com a depressão. Contudo, existe uma subnotificação clara nestes números e a própria entidade aponta que cerca de 800 milhões de pessoas possam ter a doença em todo o planeta. Onze milhões delas, no Brasil.
“A quarentena pode funcionar como um gatilho. Não é que o indivíduo vá desenvolver o problema durante o isolamento, mas pode acontecer um start”, diz a psicóloga Luize Dantas. Sendo assim, o que podemos fazer para melhorar, ou atenuar essa sensação de vazio que parece não passar? 
“Ter um ritmo é importante! As pessoas começam a dormir tarde, acordar tarde, não escovam os dentes, ficam em casa de pijama. Essa carga de realidade que bateu pode ser demais para alguns. É importante as pessoas manterem rotinas, criarem rotinas. Criarem módulos com os quais elas possam conviver, mesmo neste universo tão restrito”, aponta Péricles Palmeira. 
Para Ethel Poll, além de organizarmos o nosso dia, em uma espécie de agenda mental que preencha as nossas necessidades para aquele momento, e que pode ser pensada de forma individual, temos um trunfo em nossas mãos que, se bem utilizado, funcionará como um refúgio em momentos críticos como o atual. “Nesse distanciamento físico, o virtual está aí e ele nunca trouxe tantas coisas boas para a gente como agora. Temos uma oportunidade única de fazer um bom uso disso para aliviar o nosso sofrimento. Porque, logo, logo isso vai passar e a gente vai começar a retomar a nossa rotina”. 
Palmeira cita, ainda, a importância do convívio social, do contato com as pessoas, com gente. Isso foi tirado de muitos de nós e, de alguma forma, é preciso que encontremos caminhos para suprir essa necessidade que, além de emocional, é quase biológica, pois faz parte da natureza humana. “Nós nos regulamos em bando. Estamos aqui para olhar um para a cara do outro, para sorrir com o outro, chorar com o outro. Vivemos em bando. Sem isso, as pessoas precisam buscar formas de se autorregular. Claro que a gente não consegue viver sempre em altos. Como bem disse Lulu Santos, ‘a vida vem em ondas’, mas a gente consegue modular”.
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COMO DEVO AGIR SE NOTO ALGUÉM PRÓXIMO EM ESTADO DEPRESSIVO?
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Uma dúvida recorrente para quem já teve um amigo, parente, ou alguém próximo sofrendo com problemas psicológicos e emocionais é qual deve ser o comportamento de quem está ao redor. Como deve agir aquela pessoa que percebe, sente que há algo errado, mas não sabe exatamente o que fazer para ajudar. Para a Luize Dantas é importante o olhar atento, estar presente, mas parte do processo depende de quem está enfrentando a doença. “A autoconscientização é própria. Ninguém faz terapia se não quiser. Os amigos, parentes, devem exercer esse papel de escuta sem julgamentos, com compreensão, amor ao outro, cuidado, tudo livre de preconceitos”. 
Saber ouvir, mas ouvir de verdade, com atenção, prática cada vez menos comum nos dias atuais, é um ponto fundamental neste processo. Entretanto, é preciso saber que existe uma carga muito forte para quem está passando por esse momento tão turbulento e reações de julgamento podem piorar a situação. “Quando a pessoa sente que o outro não a compreende, que a dor não é compreendida, ela tende a se fechar”, explica Luize. 
Logicamente, quanto maior for a sua relação de proximidade e intimidade, mais ferramentas você terá à sua disposição para ajudar, pois entendendo melhor aquela pessoa, você terá mais condições de avaliar até onde pode ir.  “Ofereça ajuda, se coloque à disposição, se mostre presente. Aconselhe a pessoa a procurar um profissional. Quando há uma negativa direta, você deve respeitar o momento dela. Mas, caso haja uma negativa indireta, tome a iniciativa e marque a consulta por ela. Acompanhe e esteja, se possível, ao seu lado na hora do atendimento”, diz Lívia Castelo Branco. 
Ethel Poll explica que a frustração de quem está perto e acha que não consegue fazer o suficiente é natural, sobretudo porque a forma como cada um reage à depressão varia de caso para a caso. “O funcionamento de quem está doente pode ser muito paradoxal, muito nas entrelinhas”. Se você não está treinado para lidar com o problema, é normal que isso soe como um esforço em vão, mas não é. “Ajude a clarear a situação. Busque um médico para o seu amigo. Fique perto e acompanhe, mas não force a barra. É preciso uma abordagem diferenciada. Um estar perto longe, sem tocar diretamente no assunto, mas ouvindo, escutando e dando suporte”. 
Enfrentar uma nova realidade pode ser um momento complicado, que colocará as suas convicções à prova. Saber se adaptar aos novos tempos, mesmo que torcendo para que eles sejam passageiros, é fundamental. Exercitar sua capacidade de resiliência e se abrir para novas perspectivas pode te ajudar nesse caminho. “Aposte na invenção, nas novas descobertas, nas novidades. Não se engesse tanto”, aconselha Poll. 
Aproveitar essa nova etapa para descobrir que existe um caminho alternativo é outra receita apontada por Luize Dantas. Entender que não há um sentido único, quebrar as regras que te fazem olhar sempre para o mesmo ponto e ampliar os seus horizontes, sem medo do que está por vir, ou com receio, sim, mas verdadeiramente disposto a encarar as descobertas.  “A gente precisa vencer essa rigidez da vida adulta, engessada, voltada para o trabalho. A gente precisa de mais para viver”. 

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