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Dia do Advogado: profissionais analisam novos desafios e mudanças aceleradas pela pandemia


 "Colegas: nosso escritório se resumirá a um notebook, certificado digital e uma mochila". A previsão feita pela advogada Tamíride Monteiro, especialista em Direito Digital, parece ter se cumprido, ou caminha para isso. Assim como muitas profissões, a advocacia passou por grandes mudanças, boa parte delas aceleradas pela pandemia, e apresenta novos desafios.

Além do Processo Judicial Eletrônico - instituído em 2013 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) - hoje a classe precisa lidar com diversos outros fatores: o trabalho remoto, reuniões à distância, audiências por videoconferência e até mesmo a publicidade nas redes sociais.

"A advocacia vem se redesenhando de 2013 para cá, mas com a pandemia digamos que foi obrigada a dar uma 'sprintada', uma corrida contra o tempo, principalmente aqueles colegas resistentes à tecnologia, que hoje se viram forçados a quebrar esse gelo, mergulhar de vez na tecnologia e torná-la uma aliada", afirma Tamíride, presidente da Comissão de Tecnologia e Inovação da seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA).


De casa, pelo Whatsapp, o advogado Victor Valentim, especialista em Direito do Consumidor, envia documentos e conversa com diversos clientes. Através de aplicativos, participa de videoconferências. Para ele, a nova dinâmica de trabalho é "uma mudança que veio para ficar". "O trato com a própria Justiça mudou. Toda diligência a gente faz online. Em alguns pontos, ficou mais fácil, porque tem a economia dos gastos com sala, papel. A depender da demanda, você consegue atender clientes ao mesmo tempo pelas conversas no Whatsapp. O envio de documento está muito mais fácil", avalia.

Presidente do Conselho Consultivo da Jovem Advocacia da OAB-BA, Sarah Barros aponta que, além das transformações na rotina, a pandemia evidenciou novos nichos de atuação. "Eu sempre brinco que diante da crise surgem as oportunidades. A LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados Pessoas] está aí, as revisões contratuais continuam. O Direito das famílias está passando por uma série de coisas novas", exemplifica.


"Novos ramos da advocacia surgiram, novos modos de guarda de provas digitais, novos tipos de crime também, o que abriu um outro leque para a classe. Tem espaço para todos, só falta ter feeling de observar esse novo mundo", acrescenta Tamíride.

Sarah alerta, entretanto, que a jovem advocacia também tem enfrentado dificuldades, apesar de mais familiarizada às novas ferramentas. O maior obstáculo, diz, é a inserção no mercado de trabalho. "A gente tem o fórum fechado há mais de um ano, as pessoas precisam ter contato, fazer networking", afirma a presidente do conselho.

A presidente da Comissão de Tecnologia e Inovação cobra ainda a unificação de procedimentos, tendo em vista a existência de mais de 56 sistemas de peticionamento no país. "Com a pandemia a situação piorou muito porque são vários os sistemas de videoconferência que são usados em cada tribunal, e as varas se comportam de uma forma autônoma, dificultando nossa atuação. A advocacia precisa de um norte e um procedimento único, que seja regulamentado, e que nós profissionais não fiquemos à mercê dos tribunais", analisa Tamíride.


Para Fabrício Castro, presidente da OAB-BA, a tecnologia traz muitas possibilidades, mas não pode ser "um obstáculo para afastar a advocacia e o cidadão do Judiciário". "O Judiciário está um pouco atrasado, precisa avançar na retomada dos serviços presenciais", opina. Em um país ainda marcado por grandes desigualdades, o presidente da Ordem também destaca que o acesso à infraestrutura não é o mesmo nos grandes centros ou no interior. "Em determinada comarca, você pode não ter sequer uma internet de qualidade. E preciso que o poder público tenha essa visão e faça um investimento em infraestrutura. Só assim haverá um processo inteiramente eletrônico e com uso da tecnologia de forma universal. Sem isso, sempre haverá buracos", diz Castro.

Entre as novas realidades que devem continuar mesmo após o arrefecimento da Covid-19, o presidente da OAB-BA cita os sistemas que permitem sessões de julgamento à distância ou audiências em algumas ocasiões. "Imagine, por exemplo, um colega que mora em Barreiras ou Teixeira de Freitas. O custo do deslocamento não compensava. Se você observar, o Código de Processo Civil já tinha essa possibilidade e os tribunais não implementavam", afirma.

Para o advogado Leonardo Britto, o Judiciário baiano tem deixado a desejar, sobretudo na celeridade. "Tenho processo em alguns outros estados, e percebo a diferença em outros tribunais, como respostas mais rápidas", compara. Britto diz que os problemas estruturais têm causado "imenso constrangimento" a profissionais da advocacia, principalmente aqueles em início de carreira. "Muita gente, inclusive, tem desistido", afirma. "A gente manda e-mail e não tem retorno, demora para a distribuição de processos. A gente não consegue conversar com o magistrado, precisamos ter esse link, e isso a gente não tem. Fica extremamente inviável", critica.


Especialista em Direito Digital e Crimes Virtuais, Britto explica que já se dedica há algum tempo a um trabalho de "presença virtual". "A gente tem que acompanhar o desenvolvimento do momento, e hoje nas redes você apresenta seu trabalho. Houve uma alteração no nosso código de ética, que agora permite a publicidade em redes sociais", lembra. "Quem não souber muito bem utilizar essa ferramenta vai ficar para trás. Muitos profissionais até criticam advogados que ficam utilizando redes sociais para impulsionar trabalho. Mas hoje o mundo está na internet, os clientes estão ali o tempo inteiro", aponta.

Em julho, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil aprovou o novo provimento sobre regras de publicidade para a advocacia. Foi liberado o impulsionamento pago de conteúdo jurídico, desde que não ocorra captação indevida de clientela ou mercantilização da profissão. Também é permitida a participação do advogado ou advogada em vídeos ao vivo ou gravados na internet ou redes sociais.


Vice-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o baiano Luiz Viana afirma que, além dos novos regramentos que exigem atualização constante, a advocacia também foi afetada na pandemia por uma série de transformações de ordem técnica e jurídica, exigindo da classe ainda mais esforço e capacidade de adaptação. "Fomos obrigados a aderir ao teletrabalho, passamos a defender nossas causas em sessões virtuais e estamos aqui nos virando para aprender a lidar com as ferramentas de comunicação", diz.

Ainda segundo Viana, a pandemia também agravou uma histórica crise do Judiciário na Bahia, "onde faltam juízes, servidores e as prerrogativas da advocacia ainda são bastante violadas". "Portanto, acredito que os desafios dos tempos atuais para a advocacia são seguir na luta pela nomeação de juízes e servidores, manutenção de comarcas, valorização das nossas prerrogativas e, ao mesmo tempo, buscar um maior entendimento com esse chamado novo normal, aderindo às inovações tecnológicas e aos novos métodos de trabalho sem perder a essência do Direito", afirma o dirigente da OAB.

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