O então relator da ação, o ministro Celso de Mello, decano do Supremo
durante 13 anos, também afirmou que o arquivamento do processo seria a
única solução que respeitaria o entendimento majoritário do STF sobre
liberdade de expressão e imunidade parlamentar.
"Com apoio na
jurisprudência prevalecente nesta Corte, e acolhendo, ainda, o parecer
da douta Procuradoria-Geral da República, julgo extinto este processo de
índole penal", concluiu.
O magistrado defendeu que o comportamento
de Kajuru "subsume-se, inteiramente, ao âmbito da proteção
constitucional fundada na garantia da imunidade parlamentar material".
Segundo
Celso de Mello, é necessário reconhecer que os ataques a Alexandre
Baldy e ao senador Vanderlan Cardoso compunham o contexto de
"antagonismo político" entre os envolvidos em Goiás.
Os advogados,
porém, recorreram da decisão e o processo foi submetido à Segunda Turma.
Celso de Mello reiterou sua posição pelo arquivamento do caso, mas o
ministro Gilmar Mendes pediu vista (mais tempo para analisar o caso).
Ele liberou a ação para discussão do colegiado apenas um ano e meio
depois, quando Celso já havia se aposentado. Gilmar, então, votou para
dar prosseguimento à investigação, o que pode resultar na condenação do
senador.
O magistrado foi acompanhado por Fachin e Lewandowski. O
ministro André Mendonça foi o único a votar pelo arquivamento do caso.
Ele entendeu que os ataques devem ser protegidos pelas garantias
previstas na Constituição aos detentores de mandato.
"Importante
notar que as falas do querelado [Kajuru], conforme se depreende do
contexto em que manifestadas, se referem a claros adversários políticos
no mesmo estado, Goiás", disse.
Na
visão de especialistas do tema e na avaliação reservada de
interlocutores no Supremo, a reviravolta no caso está ligada ao contexto
político, em que a corte passou a se defender de ataques e ameaças de
aliados de Bolsonaro.
O professor e doutor em Direito
Constitucional Ademar Borges acredita que o desfecho do caso teve
influência do cenário de briga entre os Poderes e de ações do STF para
se proteger das investidas da militância ligada ao chefe do Executivo.
"A
ascensão vertiginosa de ataques discursivos ao funcionamento das
instituições democráticas praticados por parlamentares federais acendeu
um sinal de alerta sobre o próprio sentido da imunidade parlamentar",
afirma.
O
advogado da União Guilherme Florentino, mestre em direito público com
dissertação sobre imunidade parlamentar, também vê um vínculo entre o
desfecho do caso Kajuru e a tensão entre as instituições.
Ele
afirma que o país nunca viveu uma tensão do nível atual desde a
redemocratização, o que tem levado o Supremo a se posicionar "com viés
de defesa institucional muito forte".
"Acho que os ministros acabam adotando postura como essa, tendo em vista que poderia abrir espaço para ataques à corte", diz.
Para
embasar seu voto, Gilmar Mendes afirmou que era necessário abrir a ação
penal porque os ataques de Kajuru não estavam dentro de um contexto
político.
"Enquanto críticas que se refiram a temas ou aos limites
de um debate de interesse público são comumente consideradas como
abrangidas pela liberdade de expressão, qualquer ofensa
descontextualizada do debate e que descambe para a simples agressão ou
violência verbal pode ser considerada como passível de sanção cível ou
criminal", disse.
Borges e Florentino dizem, entretanto, que não é
possível concluir que o julgamento representa uma mudança na
jurisprudência da corte. Eles destacam que se trata de apenas um
processo e de um julgamento da Segunda Turma, não do plenário.
Criminalistas,
por sua vez, apontam que o Supremo Tribunal Federal tem gradualmente
firmado a posição de que a liberdade de expressão não é ampla e
irrestrita e encontra limites na honra e imagem de quem é ofendido.
"A
mesma premissa deve prevalecer quanto à imunidade parlamentar, que não
pode servir de escudo à ofensa pura e simples. Esta certamente não
encontra respaldo no exercício da função parlamentar", diz o advogado
criminalista Diego Henrique.
Mestre em processo penal pela PUC-SP,
Daniel Bialski afirma que o julgamento de Daniel Silveira aponta uma
tendência do Supremo de "colocar limites" a respeito de falas de
parlamentares.
"É
preciso diferenciar imunidade parlamentar, discurso e crítica política.
O discurso do ódio é baseado na ofensa à honra das pessoas de forma
indiscriminada e sem justa causa", afirma ele.
O criminalista
Alexander Barroso, articulador de grupos de advogados evangélicos, vê no
momento atual, com o julgamento dos casos Silveira e Kajuru, uma
flexibilização da jurisprudência da corte.